terça-feira, 28 de julho de 2009

CADERNO 3 - DIÁRIO DO NORDESTE (26.03.09)


COOPERATIVA (26/3/2009)
Os espaços do teatro


"O teatro cearense vem se renovando e ampliando seu espaço. Com a criação de uma cooperativa muitas mudanças ocorrerão no teatro do Ceará. A exemplo de São Paulo, a Cooperativa Cearense de Teatro traçará novos planos para a cena cearense. O primeiro passo para a criação da sociedade será dado na próxima sexta, Dia Nacional do Teatro."
No final dos anos 70, apesar da ditadura militar, o teatro amador brasileiro passou por um momento criativo e de grande agitação. Federações de teatro pululavam nos quatro cantos do País . Grupos mostravam um teatro quase livre (vivíamos, enfim, os anos de chumbo). Paradoxo? Sim, mas os paradoxos são extensão do homem desde a Grécia antiga. Rio, São Paulo, Brasília e Ceará, enfim, o teatro parecia que realmente iria encontrar seu caminho.“Macunaíma”, de Antunes Filho, “Trate-me Leão”, do Asdrubal Trouxe o Trombone, “Rosa do Lagamar” e “Morro do Ouro”, da Comédia Cearense. Os exemplos são muitos. Montava-se e estudava-se o marxista Bertold Brecht em quase todo o Brasil. “Liberdade, Liberdade”, de Millôr Fernandes, “Eles não Usam Black Tie” ou “Um Grito Parado no Ar”, ambas de Gianfrancesco Guarnieri, juntavam-se a outros espetáculos cuja linguagem reformulava a cena brasileira da época, como “Arena Conta Zumbi” e “Arena Conta Tiradentes”. Época em que o Teatro do Oprimido de Boal era uma das grandes referências. Enfim, vivia-se um “boom” tanto do teatro profissional, quanto do amador. Um teatro livre na ditadura dos generais. Apesar, da ditadura. Mas a febre passou, as federações caducaram. A democracia chegou e, infelizmente, a cena teatral brasileira definhou. Outro paradoxo? Os anos 80 e 90 foram também de muitas experimentações, mas não tão agitados e criativos, pelo menos na cena teatral, quanto o final dos anos 70. Ou da década de 60, como pregou Zuenir Ventura, em “1968, o ano que não terminou”. E não terminou mesmo.No entanto, o teatro começa uma retomada com mais força. A nova geração pensa alto. Universidades abrem cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado. Pensa-se o teatro de forma profissional. Dia 27, sexta, é o Dia Nacional do Teatro. A cena cearense vem mudando, paulatinamente, e para melhor. Já faz parte, inclusive, do mapa do teatro brasileiro. E o que é melhor: busca por melhores dias. É o que prova um dos eventos programados para 27: 12 grupos do teatro do Estado anunciarão a criação da Cooperativa Cearense de Teatro. Um movimento, segundo o diretor de teatro Thiago Arraes, inédito entre os segmentos artísticos do Estado. Formado pela em teatro pela UFRJ e mestre pela USP, Arraes é uma das novas cabeças pensantes da cena cearense. Já trabalhou com Aderbal Freire-Filho, José Celso Martinez Corrêa, Antônio Abujamra, entre outros. Atualmente monta em Fortaleza “Hameletê Suol”, espetáculo selecionado em edital da Secultfor.
Mobilização
O objetivo da cooperativa é que os próprios artistas passem a assumir a condução do processo teatral do Estado. “Não se trata de uma representação de classe tradicional, corporativista, mas sim de um processo liderado e conduzido pelos próprios artistas. Isso se dará com maior diálogo entre os grupos e as instâncias culturais - sejam municipais, federais ou estaduais. O sentido maior é tirar o teatro da sua condição de gueto”, assinala Thiago Arraes.Não basta, enfim, esperar das políticas públicas conduzidas, na maioria das vezes, por burocratas, soluções prontas, pacotes bonitinhos, mas ordinários. Trata-se de um novo olhar dos reais protagonistas se mobilizando e traçando seus destinos. “O que pensamos é levar a arte para o centro das questões - não apenas o teatro. Com isso, vamos evoluir de forma concreta”, acredita Thiago.Na sexta, 27, Dia Nacional do Teatro, os doze grupos envolvidos com a cooperativa farão várias performances e chamarão a atenção para a importância do projeto. A movimentação começa às oito horas da manhã prosseguindo até à noite. Será lido, na ocasião, um manifesto. Além de Thiago, estão à frente do projeto os diretores Herê Aquino, Karlo Kardoso, Yuri Yamamoto, Rogério Mesquita, Nelson Albuquerque, entre outros. “O movimento é de todos, daí a sua importância”, frisa Thiago.O manifesto “Todo Teatro é Político” norteará a base da criação da cooperativa e assinalará os principais pontos para a implantação de uma política pública para as artes cênicas do Estado. Além da leitura do manifesto durante todo o dia, os grupos envolvidos, distribuirão panfletos, venderão camisas pela causa da cooperativa. Também serão afixadas faixas, cartazes e banners com os dizeres do manifesto e as reivindicações da cooperativa .
Modelo
Thiago Arraes diz que o modelo de cooperativa a ser implantado no Ceará será o mesmo, com algumas adaptações, da Cooperativa Paulista de Teatro. “Ela reúne, atualmente, quase mil grupos paulistas. Hoje o movimento teatral paulista é dos mais efervescentes e a cooperativa de grande importância”. Nei Piancenti, diretor da cooperativa de São Paulo, também estará presente na sexta nas manifestações pró-cooperativa cearense. Além disso, serão realizados nos dias 25 e 26 de abril fóruns e encontros para o debate sobre a formação da cooperativa cearense e seus estatutos. O presidente da cooperativa paulista dará assessoria.A cooperativa terá duas frentes de atuação. A primeira é o trabalho que realizará em função dos cooperados. A segunda será a manutenção de um diálogo permanente com o poder público, seja nas instâncias municipal, estadual ou federal. “Queremos ter voz nessas esferas para construir um modelo realmente factível para as artes cênicas do Estado”, afirma Thiago Arraes.Para ele, além de uma ação inédita, a cooperativa nasce em um momento de amadurecimento do teatro cearense: “Os artistas não querem esperar apenas que as resoluções partam do poder público, mas sim, querem retomar as rédeas do próprio destino”, repete Thiago. E a palavra “destino” guarda forte simbolismo quando se fala de teatro.O teatro cearense, apesar dos avanços, ainda enfrenta vários problemas. A retomada passa, também, pela conquista e formação do público. “É preciso que nos aproximemos do público através de novas estratégias, mas isso só será possível através de uma classe teatral mais fortalecida”, diz. “É necessário romper com o circuito cultural configurado atualmente. Somente com novas sedes, teatros, enfim, novos espaços pode-se romper com a antiga estrutura”. Atualmente, os grupos contam apenas com quatro ou cinco espaços . O essencial é que eles ocupem a cidade como o todo, sensibilizem o público para a necessidade do teatro. Isso, também, só será concretizado através do apoio do poder público.Bem, comecei este texto relembrando a cena teatral brasileira do final dos anos 70. Citei alguns grupos e espetáculos que até hoje são referência na história do teatro brasileiro. Falar da “retomada do teatro brasileiro”, a exemplo do que ocorreu no cinema, talvez não seja adequado. Mas ações, como a criação de uma cooperativa, e a formação e renovação de linguagem teatral (sem esquecer da tradição) através dos diversos cursos de teatro que se espalham por todo o País - tanto de graduação, mestrado e doutorado - vão com certeza dar novo impulso ao teatro brasileiro. A esfera pública não dá conta das necessidades dos grupos de teatro. Por isso, a cooperativa. Por isso, a mobilização. Mobilização para formar platéias e reaver o real sentido e razão de ser do teatro."

JOSÉ ANDERSON SANDES
Editor

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