sábado, 4 de dezembro de 2010

Teatro como política

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Realizado ontem em frente ao Paço Municipal, o festival "Luizianne não foi ao teatro" revelou as críticas do setor às ações da Prefeitura de Fortaleza

Tudo começou com uma provocação. Insatisfeitos com a carência de investimentos da Prefeitura de Fortaleza no setor do teatro, e com o tênue diálogo mantido com a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), a Pró-Cooperativa Cearense de Teatro (Coopce), criada a partir do movimento "Todo Teatro é Político", lançou no começo deste ano a campanha "Luizianne, vá ao teatro". A frase, um debochado pedido de atenção à prefeita Luizianne Lins, foi amplamente divulgada na internet, em redes sociais e eventos promovidos pela Coopce, formada por vários grupos, profissionais e entidades.

Frente ao silêncio da gestora e da secretária de cultura do município, Fátima Mesquita, ontem a alfinetada finalmente transformou-se em protesto. Sob um sol de rachar, integrantes do movimento realizaram o festival "Luizianne não foi ao teatro!", com a participação de mais de 20 de coletivos e artistas solo, que apresentaram espetáculos e intervenções no Largo da Sé, em frente ao Paço Municipal, sede da Prefeitura, durante todo o dia.

As performances tinham como objetivo confrontar a equipe da Prefeitura e cobrar promessas estabelecidas - como a reunião com a classe teatral, que, segundo os participantes da ação, foi seguidamente adiada e nunca aconteceu. "Nossa batalha é por políticas públicas sistemáticas para teatro e cultura em geral, um dos pontos mais defendidos por Luizianne durante sua campanha. Por isso ficamos chocados ao ver esse setor tão negligenciado", criticou Thiago Arrais, diretor teatral e professor do Curso Superior em Artes Cênicas do Instituto Federal do Ceará (IFCE).


Segundo ele, o descaso com que o teatro cearense é tratado não condiz com sua força e qualidade. "No último Festival de Teatro de Fortaleza, por exemplo, inscreveram-se 76 grupos. Apenas em Fortaleza, temos três cursos de graduação em artes cênicas. Vários de nossos artistas também participam de festivais em todo o País. São eles e suas companhias que precisam do apoio dos gestores públicos", cobrou Arrais.
Crítica e ironia
Iniciado por volta das 9 horas, "Luizianne não foi ao teatro" reuniu grupos como Bagaceira, Teatro Mimo, Teatro Máquina, Grupo de Arte Maracanãs, Coletivo Cambada, Teatro das Moiras e solistas como Georgia Dielle e Velma Zehal. Os ativistas chegavam aos poucos. Já passava das 11 horas, quando o primeiro espetáculo terminou.

Entre uma apresentação e outra, os artistas dirigiam-se à Prefeita e sua equipe, com a ajuda de uma caixa de som. "Abre a janela, Luizianne, vem ver a gente no sol!", bradavam os participantes, sem perder o humor. Até a saída da equipe do Caderno 3, no começo da tarde, a porta e as janelas do prédio permaneceram fechadas e nenhum representante da Secultfor ou do Gabinete da prefeita compareceu ao festival, que àquela altura reunia cerca de 30 pessoas. 

A reação dos transeuntes que passavam pelo local variava entre a curiosidade, a indiferença e o apoio aos manifestantes (especialmente com gestos). Quase ninguém, no entanto, chegou a parar no local para assistir aos espetáculos ou saber do que se tratava a movimentação. Apesar disso, Arrais garantiu que o protesto não é em defesa apenas do teatro, mas de toda a população de Fortaleza.

"Não queremos políticas que atendam ao nosso umbigo, mas que considerem a arte e a cultura como bens públicos. Por exemplo, estamos no Centro e vemos como ele está abandonado, assim como toda a Cidade. Se as artes cênicas estivessem presentes aqui, se houvesse espetáculos e outras atividades, a região não estaria tão maltratada", analisou o diretor.

"As políticas que clamamos, portanto, não são apenas culturais, mas sociais. Não se faz isso com festa de Réveillon, que recebe milhões de reais, enquanto o orçamento inteiro para o teatro em 2010 foi de R$ 320 mil", contabilizou.
Humor cearense
Entre os participantes do festival, estava o Coletivo Cambada, que entrou em cena com o espetáculo "Love Love Lulu", baseado no formato das chamadas "mensagens de amor". "Decidimos fazer uma ´loucura de amor´ para a Luizianne, porque é algo que pessoas apaixonadas fazem, mas que incomoda muito. E nosso objetivo é incomodar", brincou Andrei Bessa, integrante do coletivo. "Optamos por essa ideia porque é a melhor maneira de passar nossa mensagem, com ironia e humor", complementou o artista.

E graça realmente não faltou. Embalados por canções românticas, que iam do brega ao pagode, os atores simulavam homens desiludidos e traídos pela amada - no caso, a prefeita Luizianne Lins.

Andrei segurava flores e um grande balão vermelho, que ao final foi violentamente rasgado. "Você me traiu, Lulu", gritava o artista, arrancando risos dos presentes. Ao longo do espetáculo, outros manifestantes usaram o microfone, soltando pérolas como "cadê o cachê do Festival de Teatro de Fortaleza, Luizianne?" - que, segundo os organizadores do protesto, ainda não foi pago (o evento foi realizado em agosto deste ano).

A montagem incluiu a fala de outros manifestantes além dos atores do coletivo. Um deles chegou a segurar o cartaz com a pergunta "Onde está Luizianne?" no meio da rua, de joelhos, irritando alguns motoristas.

O final apoteótico de "Love Love Lulu" teve direito a chuva de papel picado e de balões em formato de coração. A programação do festival estava confirmada para seguir até as 18 horas. "Decidimos fazer o protesto em dia de semana e durante o dia, nesse sol de lascar, para pegarmos o horário de trabalho da equipe da Prefeitura", revelou Thiago Arrais. 

O Caderno 3 tentou entrar em contato com os gestores da Secult e com a Prefeita Luizianne Lins, mas não obteve sucesso. Segundo informações repassadas pela assessoria de comunicação da Prefeitura, a Secultfor é o único órgão que pode responder pelo assunto do protesto.

A assessoria da Secultfor, por sua vez, informou que a secretária Fátima Mesquita e o secretário-executivo de Cultura de Fortaleza, Márcio Caetano, estão no Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura das Capitais e Regiões Metropolitanas, em Belo Horizonte (MG).
Ações
Em nota oficial divulgada ontem, a Secultfor declara que "a Prefeitura Municipal de Fortaleza pensa a política na escala da cidade", por meio de um programa "orientado por uma concepção ampliada da cultura, que ultrapassa aquela que, tradicionalmente, tem sido hegemônica na condução das políticas públicas identificadas com o campo restrito das artes e do patrimônio material representativo da cultura consagrada e oficial".

Segundo a nota, tal concepção "trabalha a cultura pelo prisma da democracia e dos direitos, cultura como direito dos cidadãos". Entre as ações na área teatral realizadas pela Prefeitura de Fortaleza o texto ressalta o Festival de Teatro de Fortaleza (FTF), que aconteceu de 6 a 14 de agosto de 2010, através da Secultfor, e recebeu um investimento municipal de R$ 557.736.

A nota ressalta que o FTF tem uma ação a ser realizada em 2011: o Projeto de Formação e Intercâmbio entre Grupos de Teatro de Fortaleza, "que já tem recursos alocados no valor de R$ 351 mil". Foram destacadas ainda o lançamento do Edital de Teatro 2010, cujo investimento é de R$ 330 mil; a captação de recursos para a criação do Teatro Municipal, que será no Teatro São José; a inauguração do Teatro do Cuca Che Guevara, "espaço que, além servir de palco para os grupos da cidade, realiza cursos de formação técnica e básica para jovens atendidos pelo Cuca"; e a "elaboração do programa de formação em teatro para o Pronasci, o Pac da segurança do Governo Federal, que alocou recursos da ordem de R$ 162 mil para a formação de mais de 200 alunos do grande Bom Jardim".
ADRIANA MARTINSREPÓRTER

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